Decorridos 50 anos, a cirurgia de mamas tornou-se a segunda mais realizada em todo o mundo. Neste período, milhares de casos bem-sucedidos foram registrados, assim como a reviravolta na vida de muitas mulheres, que ganharam – ou recuperaram – autoestima e segurança. É claro que, como em todo processo cirúrgico, existem riscos, e alguns problemas ocorreram durante essa fase – na década de 1990, por exemplo, a cirurgia foi proibida temporariamente nos Estados Unidos, pelo receio de o material utilizado causar câncer de mama e doenças provocadas pelo próprio sistema imunológico da paciente, que poderia reagir à presença de um corpo estranho no organismo.
Mesmo com o avanço da tecnologia neste período, ainda presenciamos questionamentos com relação à segurança do método. Recentemente, um escândalo protagonizado pela empresa francesa Poly Implant Prothese, mais conhecida por PIP, abalou a tranquilidade de muitas mulheres. Tudo começou ano passado, quando a empresa foi fechada na França graças à descoberta de que as próteses fabricadas continham silicone industrial não liberado para uso médico. Resumindo: para tentar baratear o preço das próteses, era utilizado silicone de baixa qualidade. Isso, com o passar do tempo, podia provocar algum tipo de laceração na prótese. Dessa forma, o silicone extravasava e, como não era coesivo (composto por moléculas aderentes entre si, o que evita vazamento caso haja rompimento da prótese), acarretava uma série de problemas. O dono da empresa, Jean-Claude Mass, preso na época, admitiu ter usado o material impróprio em razão do preço baixo, mas defendeu que o mesmo não era perigoso. O caso ganhou o mundo no final do ano, quando o governo francês recomendou, a todas as mulheres que tivessem implantado as tais próteses, a retirada (ou troca) imediata das mesmas.
BURBURINHO ARMADO
Imagine você fazendo parte desse chamado “grupo de risco”. Nem pensar? Pois há muitas brasileiras que têm no organismo próteses fabricadas pela PIP (vale dizer que a empresa atuou durante 20 anos no mercado mundial e cerca de 400 mil mulheres em 65 países receberam peças da marca). Segundo os dados oficiais, são 25 mil pares implantados no Brasil. “Nunca trabalhei com tal marca, mas algumas mulheres me procuram para realizar a retirada dessas próteses. O que eu percebi, na ocasião, é que, ao colocá-la ao lado de uma de qualidade, não precisava ser expert no assunto para notar que ela é bem inferior. Sem contar o preço, bem mais baixo se comparado às outras. Esses dois fatores deveriam ter desencadeado algum tipo de desconfiança”, afirma o cirurgião plástico Alexandre Senra, expert em cirurgia de mama e lipoaspiração a laser, membro das Sociedades Brasileira e Americana de Cirurgia Plástica.
Com base nisso, podemos afirmar que vários médicos agiram de má-fé? É claro que a relação que se estabelece com o médico promove um elo de confiança. “Pesa muito a conversa com o cirurgião, porque ele está atestando a qualidade do material que usa. O poder que nós exercemos sobre a paciente é enorme”, Alexandre Senra constata. E continua: “Se você se consultar comigo, por exemplo, e eu informá-la de que trabalho com a prótese da marca X, a partir do momento em que eu criei um elo de confiança com você, você aceitará a minha recomendação de olhos fechados. O médico, portanto, tem grande responsabilidade.”
Não há como negar que até mesmo especialistas em determinado assunto podem ser manipulados por empresas de qualidade duvidosa. Sem contar que tais próteses tinham a importação autorizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária(Anvisa). Mas a questão do preço é um detalhe que deveria (e deve, sempre) ser levado em conta. Afinal, se uma prótese custa 100 e outra custa 40, isso deve despertar alguma preocupação. “Nós somos regidos pelo Conselho Federal de Medicina, que nos impõe uma série de normas, e temos de preservar ao máximo a seriedade em relação ao material que vamos utilizar”, defende o médico.
A qualidade dos produtos é atestada por meio de estudos realizados por empresas idôneas. “Trabalho com material de duas potências internacionais do setor no quesito respeito e qualidade. Isso me dá um background de tranquilidade sem comparação em matéria da procedência do que estou colocando na minha paciente”, fala Senra.
RELAÇÃO DELICADA
O que fazer, então, para garantir um atendimento de qualidade? Quando surge o desejo de realizar uma plástica, é fundamental, primeiramente, buscar algum tipo de referência do médico. O melhor é que ele seja indicado por outro médic o conhecido ou por uma amiga que tenha realizado a cirurgia e aprovado a conduta do médico e o resultado obtido por ele. A internet também é uma ferramenta de grande ajuda nesse sentido, pois facilita a obt enção de informações sobre qualquer profissional. E claro: é primordial que ele seja membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Pertencer a outras entidades e atender em um hospital de qualidade são outros quesit os que valorizam e atestam o trabalho dele.
Além disso, é primordial avaliar a qualidade da consulta, a atenção desprendida e a segurança que o médico transmite. Não podemos esquecer que resultado é importante. Mas o grande diferencial, como em outras áreas, é o atendimento do médico. UMA , DUAS , TRÊS Com base nessa premissa, não se intimide em retornar ao consultório quantas vezes julgar necessário para esclarecer todas as dúvidas antes da operação. O ideal é o médico compreender e sanar todos os pontos obscuros na primeira consulta, dando também a liberdade para que a paciente volte quantas vezes achar preciso, em companhia do marido, do namorado ou da mãe, por exemplo, para se sentir segura. “Se você tem uma consulta completa, na qual o médico consegue lhe mostrar, de uma forma muito objetiva e simples, todas as possibilidades no prognóstico, terá um resultado espetacular. Esse é o segredo do sucesso: saber do médico o que ele realmente pode lhe proporcionar sobre o que você está querendo receber”, avisa Senra.
O QUE VAI POR DENTRO
Confiante no médico, ainda assim, você tem o direito de questionar qual material ele utiliza. E pode pegar, tocar, sentir.
As próteses de última geração (e de boa qualidade) têm, no toque, uma semelhança muito grande com a mama natural, diferentemente do que acontece com próteses de qualidade inferior, cujo manuseio é artificial. O silicone médico é muito pouco reativo ao organismo. Já o silicone industrial é cáustico e faz com que o organismo desenvolva reações inflamatórias. E essas reações podem causar problemas de baixo, médio ou alto grau para o organismo.
Você também tem o direito de perguntar o nome e o fabricante da marca.
A prótese, ao ser aberta, deve possuir uma etiqueta onde consta o número do lote, o número da peça, entre outras informações – é a identidade do produto. Após a cirurgia, uma dessas etiquetas é pregada no prontuário da paciente. A outra fica sob responsabilidade da instituição onde a cirurgia foi realizada.
“Eu sou o depositário, um dos guardadores dessa etiqueta. Entrego para a paciente uma cópia disso. Amanhã, se ela quiser procurar outro profissional, terá tudo documentado”,esclarece Alexandre Senra.
A Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), depois do episódio PIP e, não podemos esquecer, também Rofil (empresa holandesa do mesmo dono e cujas próteses também tiveram comercialização proibida), criou o cadastro nacional de implantes. Cada membro da entidade recebe uma senha e, toda vez que opera uma paciente, deve inserir no site todas as informações pertinentes àquela cirurgia.
Esses dados são sigilosos, mas foi a forma que a Sociedade encontrou – sendo a primeira do mundo a fazer isso – para ter o máximo controle sobre o que está sendo feito. “Creio que, em cerca de um ano, a SBCP terá chance de montar um panorama sobre tais procedimentos”, pondera Senra.
TROCAR OU NÃO TROCAR
Com base em problemas que o silicone ruim pode desencadear, a Sociedade Francesa recomendou a retirada das próteses problemáticas. A recomendação tanto da SBCP quanto de algumas sociedades internacionais com relação a essas próteses (PIP e Rofil) é que se faça acompanhamento médico. Não que não seja necessária a retirada delas, mas não é um caso de emergência.
“Quando esse assunto estourou, eu estava nos Estados Unidos e recebi muitos telefonemas.
Mesmo as pacientes que sabiam que tinham próteses americanas de qualidade ficaram preocupadas”, lembra o cirurgião. Ele conta que recebeu uma paciente com uma dessas próteses. Sua ação? Acalmá-la. “Não podemos nos aproveitar da polêmica que foi criada para tentar obter lucro com isso e sair operando todo mundo. A paciente, no caso, estava com exames bons e eu mostrei para ela que não existia a urgência de fazer outra cirurgia tão rapidamente. Ela poderia se programar. É preciso ser muito ético nessa hora. E ética é uma palavra que o médico não pode perder jamais. É importante ter ética sempre, até mesmo para recusar uma cirurgia, caso não a julgue necessária.”
Vale ressaltar que, hoje, as próteses têm um grau de qualidade cada vez melhor.
A integralidade do silicone, do invólucro, cresce a cada dia. Antigamente, as próteses,independentemente da marca, precisavam ser trocadas a cada cinco anos. Esse prazo passou a ser de dez, quinze anos. Atualmente, é consenso na classe médica a necessidade apenas de acompanhamento de rotina, que normalmente é feito por meio de ultrassom, mamografia ou ressonância magnética. Esses exames mostram a integralidade da prótese e, com isso, há segurança para deixá-la como estiver. Se tudo se comporta bem, não há porque mexer. “Temos pacientes com próteses mais antigas, que teoricamente têm qualidade inferior, mas que estão sendo acompanhadas há tempo e estão ótimas”, conta Senra.
SEM DEFINIÇÃO
Até o fechamento desta edição, ainda não havia uma norma no que se refere à liberação de futuras próteses no país. Após o episódio, a Anvisa delegou ao Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e paciente. A outra fica sob responsabilidade da instituição onde a cirurgia foi realizada.
“Eu sou o depositário, um dos guardadores dessa etiqueta. Entrego para a paciente uma cópia disso. Amanhã, se ela quiser procurar outro profissional, terá tudo documentado”,esclarece Alexandre Senra.
A Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), depois do episódio PIP Tecnologia (Inmetro) a fiscalização e liberação de próteses mamárias. A partir do dia 22 de março, todas as próteses que entrassem no país precisariam de um selo, mas até hoje nada foi definido com relação a isso. “E vamos chegar aos meses de maior procura por procedimentos cirúrgicos (junho e julho). Acredito que as grandes distribuidoras e marcas deverão tomar providências. E também acredito que um material que apresente o selo do órgão mais sério da face da Terra, que é o Food and Drug Administration (FDA), não pode estar isento de fiscalização, mas deve ter um ponto a seu favor”, defende Senra.
O grande problema, no entanto, não é provar que uma prótese tem qualidade. Afinal,se eu quero comercializar um produto no país, eu vou mostrar o melhor aos órgãos públicos, assim como documentos e estudos que atestem isso. Nos lotes iniciais, até as próteses que deram problemas apresentavam silicone de qualidade. Foram vinte anos de mercado, não é possível esquecer. O que precisa ocorrer para garantir segurança é, talvez, uma maior fiscalização. É atuar de surpresa, sem avisar. Ainda assim, vale lembrar: mesmo que pequenos, os riscos cirúrgicos sempre vão existir. Cabe ao médico tomar todos os cuidados possíveis para evitar infecção e outros problemas. No entanto, o próprio organismo tem seu mecanismo de ação. E pode ter uma reação normal, mas que cause desconforto,como a contratura. De novo, vale fazer uso do poder de decisão que cada uma de nós possui, buscando um excelente profissional para realizar a cirurgia, de modo que os riscos sejam os mínimos possíveis e o resultado, o melhor. “A cirurgia de mama é a que mais traz satisfação para paciente e médico. A nova percepção do mundo pós-cirurgia é enorme. A primeira imagem que a paciente tem depois do procedimento, quando se retira o curativo e ela se vê no espelho, é espetacular.”
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